Caso descrito por Alexander Lowen no livro:
A Espiritualidade do Corpo(pag. 18).
Há alguns anos tratei de uma mulher que sofria de um grave problema intestinal. Ela era alérgica a muitos alimentos, incluindo pão, açúcar e carne. A ingestão de qualquer alimento ao qual fosse alérgica resultava em cólicas e diarreia, o que a deixava enfraquecida e esgotada. Ela dependia, necessariamente, de uma dieta bastante restrita; mas, apesar de todos os seus cuidados, continuava tendo crise de diarreia. Apresentava deficiência de peso e de energia. Essa mulher, é claro, consultou muitos médicos. Os exames revelaram que seu intestino estava infectado por fungos e amebas. Os medicamentos recomendados, porém, produziam apenas um alívio de curta duração. Os parasitas davam a impressão de desaparecer mas logo retornavam.
Como seu médico, cheguei a conhecê-la bem. Eu a chamarei Ruth. Era uma mulher de compleição delicada, razoavelmente bonita de rosto e de corpo. Dois aspectos, no entanto, destacavam-se como severas distorções. Seus olhos eram grandes e pareciam ser muito assustados. Ela também era míope, e tinha o queixo extremamente tenso e projetado para frente. A expressão do queixo era bastante desafiadora, como se ela estivesse dizendo: “Você não vai me destruir.” Em vista do pavor manifestado em seus olhos, ela bem que poderia estar dizendo: “Eu não terei medo de você.” Ruth não tinha consciência do grande medo que sentia.
As informações que se seguem foram obtidas ao longo do período de análise. Ruth era a única filha de pais judeus que haviam imigrado para os Estados Unidos pouco depois da guerra antes que ela tivesse nascido. Ruth admitia que tanto o pai como a mãe tinham problemas emocionais. Sua mãe era uma mulher amedrontadora, ansiosa. Seu pai estava sempre doente, mas trabalhava com afinco. Ruth achava que tivera uma infância infeliz. Sentia que a mãe a hostilizava, sobre carregando-a com tarefas que não lhe deixavam nenhum tempo para brincar. Sua mãe também costumava criticá-la amiúde. Ruth não se lembrava de que gesto de carinho ou contato físico mais íntimo por parte de sua mãe. Por outro lado, conservava na memória a lembrança de alguns sentimentos afetuosos em relação ao pai, o qual ela sentia que a amava. Ele, porém, se afastara de Ruth quando ela ainda era pequena.
O espírito de Ruth estava enfraquecido, mas o seu corpo não estava completamente “desespiritualizado”. O vazio existente em seu corpo indicava a debilidade de seu espírito. Ruth não era agressiva. Ela tinha grande dificuldade para externar ou receber qualquer emoção positiva. A sua respiração era curta e o seu nível de energia baixo. Ela se dera conta de que tinha problemas para demonstrar os seus sentimentos, coisa que atribuía á sua falta de confiança nas outras pessoas. Relacionei o seu distúrbio intestinal a essa desconfiança e à conseqüente incapacidade para ingerir e absorver alimentos. É como se o leite de sua mãe tivesse sido um veneno para ela. Ruth havia sido amamentada durante um curto período e, embora não tivesse nenhuma lembrança de ter sido desmamada, em minha opinião esse evento foi o primeiro grande trauma de sua vida. A hostilidade de sua mãe era certamente venenosa. Um segundo grande trauma foi a perda do relacionamento com o pai, devido, devido em grande parte ao ciúme que a mãe sentia por causa do amor que o pai tinha por ela. O afastamento do pai deixou-a desamparada diante de uma mãe hostil e lhe deu a sensação de que ninguém se importava com ela. A despeito dos meus esforços para ajudá-la, Ruth não confiava em mim. Embora ela se sentisse mais animada após as nossas sessões, a melhora não se mantinha durante muito tempo. Foi então que uma coisa notável aconteceu. Uma amiga de Ruth falou-lhe a respeito de uma mulher que realizava curas baseadas na Ciência Cristã. Ruth consultou-se um certo número de vezes com a mulher, que lhe falou do poder curativo da fé em Jesus Cristo. A mulher explicou a Ruth que a alma é imortal e que, embora o corpo pudesse morrer, a pessoa continuaria viva em sua alma. Mostrou também que Ruth estava identificada com seus sintomas, e que esta identificação poderia ser rompida através da percepção de que os sintomas eram parte do seu corpo e não de sua alma. Foi então que Ruth me disse: “Dá para imaginar? Eu, uma garota judia, acreditando em Jesus Cristo!”
O interessante foi que os sintomas de Ruth haviam desaparecido completamente. Ela parecia e se sentia bem. Nem mesmo a ingestão de alimentos aos quais ela era alérgica provocou qualquer reação adversa. Aquilo parecia ser um milagre de fé, pois a fé pode produzir milagres aparentes. É possível, porém, apresentar uma explicação para o aparente milagre da recuperação de Ruth.
Esta explicação baseia-se na tese de que os sintomas e a condição patológica dos intestinos de Ruth representam sua identificação com a mãe, a qual Ruth via como uma pessoa abnegada e sofredora. Uma das peculiaridades da natureza humana é que essa espécie de identificação sempre é feita com a figura do opressor. Conforme já vimos, Ruth havia sido oprimida por sua mãe, tivera medo dela e a odiara. Ao mesmo tempo, tinha muita pena da mãe e sentia-se culpada. Estava ligada à mãe em seu inconsciente, ou seja, em seu espírito. Ela precisava sofrer.
Para uma judia, aceitar Cristo acarreta necessariamente um rompimento com a família e com o seu passado. Através dessa atitude, Ruth libertou o seu espírito de sua ligação patológica com o sofrimento da mãe e superou temporariamente sua enfermidade. Em terapia, um evento desse tipo é descrito como uma ruptura. Apesar de a ruptura ser um importante passo para recuperar a saúde e libertar o espírito, mesmo assim necessita de alguma espécie de reforço. De fato, após esse acontecimento Ruth sentia-se mais relaxada, embora ainda continuasse com o rosto tenso, os olhos assustados e os ombros retesados. Conquanto a barreira que mantinha seu espírito aprisionado estivesse começando a se romper, ela sabia que ainda teria de trabalhar mais seu corpo e resolver outros conflitos antes de recuperar a graciosidade.